sexta-feira, 31 de maio de 2019

European Parliament Elections. 2019. Trusting the distant and the inscrutable.
Evolução dos Euro-confiantes

Eleições para o Parlamento Europeu - 2019

A Comunidade Europeia tem estado na ordem do dia da comunicação publicada no último mês. As eleições para o Parlamento Europeu ocorreram há dias e, por uma ou outra razão, é levantada a poeira sobre a Europa que temos, a que queremos e a representação possível no seu núcleo governativo. Contudo, uma coisa é a União Europeia e outra são as eleições para o Parlamento Europeu. A aderência à ideia da União é generalizada mas a aderência à sua forma de governação e de representação não é tanto.

Os pontos de adesão à ideia da Europa estão à volta da noção de prosperidade, de paz, de relevância, de união efectiva e de segurança. Quem sentir ter isto, em maior ou menor dose, tenta defendê-lo. Quem não o sentir, talvez tente alterar algo … ou se afaste à espera de melhores dias. 

Os pontos de afastamento relativamente ao governo da União têm-se centrado à volta da deriva concentracionista do poder e privilégios para uns poucos, da formação de cliques tecnocratas dirigentes pouco escrutinadas pela representação do eleitorado (Parlamento), da perca da prosperidade que foi apercebida na última década do séc. XXI e da falta de rumo capaz de incutir confiança num forte posicionamento da União para, no mundo global, defender aquilo que conquistou. 

De facto foram eleições mas essas foram para um Parlamento, apenas; não para um governo nem sequer para um Colégio Eleitoral. Este parlamento, ao contrário do nacional, não tem iniciativa legislativa nem tem controle na formação dos órgãos que, em boa parte, definem e conduzem a politica europeia: o Conselho e a Comissão. Neste Parlamento genericamente vota-se aquilo que a Comissão propõe e esta ultima segue, genericamente, as linhas definidas pelo Conselho. Assim, os parlamentares estão resumidamente limitados ao voto, seguindo linhas da sua família partidária, e a acção de informadores e de “lobby” das forças com relevância politica para partidos que os propuseram. O poder de escrutínio do Parlamento relativamente à orientação e acção da Comissão é limitado e limitados parecem também ser os laços de ligação dos parlamentares aos eleitores.

Nas Eleições para o Parlamento Europeu não se elege líder ou equipa dirigente do Conselho ou da Comissão nem se valida um programa de acção para cinco anos. Por essa razão estas eleições têm pouca influência na determinação das políticas que serão seguidas e essa pouca influência determina a sua relevância para os eleitores. Estas eleições podem ser um acto que pouco mais além vai da promoção da aceitação de 21/751 indivíduos que irão, durante meia década, ratificar decisões tomadas por outros. De uma representação democrática esperar-se-ia um pouco mais do que isto.

Por estas razões, de Norte a Sul, os Europeus sentiram ao longo dos anos esfriar-se a sua vontade de participação nestes processos. Por vezes ouvia-se alguém questionar: “será que um Parlamento Europeu eleito por 90% dos eleitores teria produzido uma União diferente daquela a que estivesse associado um Parlamento eleito por 10%?” As primeiras eleições tiveram maior adesão mas os resultados da acção da União não encorajaram a aumentá-la. Desceu durante três décadas. A inflexão na afluência às urnas do passado dia 26 de Maio pareceu ser mais uma reacção à ameaça de desmoronamento provocada pelo Brexit do que uma validação da governação e rumo da União.

Os eleitores para afluírem a um acto eleitoral precisam de sentir confiança e afinidade com uma figura ou com uma proposta de rumo. Essa figura deverá dar sinais de capacidade de contribuir para esse rumo no contexto em que será inserida. Se esse contexto não lhe proporcionar espaço para tal, mesmo que ela tenha reconhecidos dotes políticos e técnicos, a sua acção será mínima e a relevância da sua eleição também o será.

Para além das questões da representatividade, existem questões de afinidade e de proporcionalidade que influenciam a decisão de ir ou não votar. A afinidade quando não existe pode ser criada e mantida. No caso dos Açores, arriscaria a afirmar que a afinidade entre eleitores e Euro-eleitos tem sido mínima e que esmagadora maioria dos Açorianos não sabe quem foram os Deputados Europeus do último mandato e menos ainda aquilo que fizeram. E até parece que alguns desses Deputados sentem pouco à vontade em aparecer (directamente) junto dos eleitores, tal é a distância que vai daquilo que gostariam de dizer que fazem e aquilo que é, para os votantes, o retorno útil da sua acção. 

Acresce à questão da representatividade a questão da proporcionalidade. É bem preferível ter um representante genial do que ter um comum. Contudo um representante genial só alinhará e será útil num projecto se tiver um retorno pessoal compatível com os resultados que conquistar. Essa especial capacidade será confirmada pelos resultados da sua acção e não apenas pelo seu Ethos ou currículo prévio. Pode-se ser um génio no ciclismo, mas sem resultados no futebol não se pode ser considerado um génio no futebol. É verdade que o povo gosta de “Icones” mas é necessário que, de alguma forma, se reveja neles. Se duvidar das suas intenções, pode ser levado a ignorá-los ou ser tentado a substitui-los. Por isso, se não existir alguma proximidade entre o “génio” (eleito) e o representado (eleitor) a afinidade pode ser improvável e a representatividade impossível. Já dizia a outra: “antes quero burro que me carregue do que cavalo que me derrube”.

O Parlamento Europeu parece tratar os seus membros como geniais, qualquer que seja a opinião dos eleitores. Quem com privilégios é tratado usualmente retribui o trato. E quem atribui privilégios é o P.E e não os eleitores. Um Parlamentar Europeu beneficia durante o seu mandato de uma remuneração 3 vezes superior à de um Parlamentar nacional Português e 25 vezes a de que um trabalhador de salário mínimo em Portugal. E estará por lá 5 anos a correr em faixa rápida. A diferença de proporcionalidade aqui é clara. Se essa magna retribuição fosse consequência de genialidade de acção, com consequências positivas tangíveis para os eleitores, estas seriam por eles aplaudidas. Se os eleitos as produzissem, chegar-se-iam eles à frente para as anunciar e receberem consagração. Se não se tem chegado à frente é porque tem duvidado que o aplauso ocorra … e não havendo aplauso, nem tão pouco adesão aos actos eleitorais, estamos conversados sobre o assunto. Desta forma a probabilidade de o eleitor achar que os candidatos ao Parlamento correm primeiramente atrás de benefício próprio, ignorando os interesses do cidadão comum, pode ser grande.

Uma das provas maiores desta percepção de falta de afinidade e proporcionalidade está nos resultados das últimas eleições nos Açores: apenas 18.7% dos eleitores se deram ao trabalho de votar; e dos votos colocados quase 10% foram brancos ou nulos. Que legitimidade democrática pode ter um representante, por maior valor pessoal que ele tenha, que apenas recebeu o apoio de uma fracção destes votantes?

Apesar destas e outras “anomalias” (abstenção incluída) poucos querem que a Europa volte a ser uma massa fragmentada de Estados, propensa a frequentes conflitos bélicos ou pasto fácil para os apetites de outras potências estabelecidas ou emergentes no planeta. Europa sim, mas uma Europa forte cujo serviço seja percepcionado como dirigido a uma clara maioria dos Europeus e não apenas umas quantas corporações globais, a uma clique tecnocrática central ou a grupos partidários dominantes. E mesmo que não seja esperada especial consequência directa para estas eleições, ao menos que o período seja aproveitado por quem detêm capacidade, poder e meios para tal, para reflectir, acertar rumo e imprimir andamento adequado às circunstâncias e expectativas dos eleitores Europeus.

M. Mota Borges
Ponta Delgada, 28 de Maio de 2019
Publicado no Correio dos Açores a 30/5/2019

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Primeira Travessia Aérea do Atlântico 
com escala nos Açores
First Flight over the Atlântic Ocean and Azores - May 1919
Centenário (Maio de 1919 – Maio de 2019)

Esta é uma semana de comemoração dum feito que teve eco mundial e que colocou, uma vez mais, o arquipélago Açoriano no centro do palco das grandes realizações do Mundo Ocidental. No já longínquo ano de 1919 chegaram aos Açores os primeiros aviões vindos da América do Norte por via aérea, naquela que foi a primeira travessia aérea do Atlântico. Um par de anos antes as Forças Armadas Americanas já haviam deslocado algumas pequenas aeronaves para Ponta Delgada, mas que haviam sido transportadas por via marítima.


Enquanto o vento foi a força motora dos navios, o que aconteceu durante séculos, os Açores foram o ponto de apoio necessário nas rotas marítimas pelo Atlântico. Para regressar da Índia, África e da América do Sul ou Central, os ventos e correntes obrigavam a passar pelos Açores. Nestas ilhas reagrupavam-se as frotas, reparavam-se os navios e reabastecia-se. Quem controlasse este entreposto oceânico controlava boa parte da exploração colonial ultramarina. Portugal dificilmente teria sido a potência que foi sem este arquipélago.
O advento da motorização a vapor tornou a navegação marítima, durante o séc. XIX, menos dependente das forças atmosféricas e aumentou a autonomia dos navios. Assim este arquipélago foi perdendo a exclusividade de ponto de passagem.

Na viragem do séc. XIX para o XX o mundo acelerou o passo, em muitos sentidos, e os Açores não ficaram de fora. O petróleo passou a ser explorado e refinado em grande escala e passou a alimentar novas máquinas. Estas, mais versáteis e leves que as a vapor, foram rapidamente aproveitadas por quem da força delas precisava. Foi nesse contexto que os Americanos Irmãos Wright motorizaram o seu planador e fizeram os primeiros voos na primeira década do séc. XX. E foi nesse contexto que o Francês Louis Bleriot construiu o planador motorizado que atravessou o Canal da Mancha em  1909.

Entretanto a Primeira Grande Guerra eclodiu e estas novas curiosidades (ou excentricidades) tecnológicas passaram a ser experimentadas para fins bélicos. Estes “passarões” podiam passar sobre fronteiras sem serem impedidos por qualquer controle, podiam espiar território inimigo e podiam até descarregar explosivos onde mais doesse ao adversário. Franceses, Germânicos, Britânicos e, um pouco mais tarde, Americanos rapidamente transformaram a curiosidade voadora em arma de guerra.
Foi nesse contexto que apareceram estes aviões que atravessaram o Atlântico pela primeira vez, os Navy Curtiss (NC).

O desenvolvimento destes aviões foi encomendado pela Marinha Americana à Custiss Engineering em 1917, ainda durante a Guerra. Era pretendido um avião patrulha anti-submarina, com capacidade de “longo curso”, que ajudasse a conter a ameaça Germânica. Tratava-se do maior e mais potente avião produzido até à data, com 4 motores Liberty V12 de 400 cv (1600 cv no total) e com capacidade de elevação de aproximadamente 12 toneladas. Apesar das diligências feitas o avião chegou tarde. O primeiro voo aconteceu em Outubro de 1918 e o Armistício (fim da guerra) foi assinado no mês seguinte. Assim ficaram estes quatro grandes e musculados passarões sem função ou propósito imediato. Contudo aquilo que não serve para a guerra pode servir para outra coisa. Removendo armamento e munições da aeronave podia-se aumentar grandemente a capacidade dos respectivos reservatórios de combustível e assim aumentar na mesma proporção a autonomia ou raio de acção da aeronave. Aumentando o raio de acção, o Atlântico Norte era a tentação. Mas o Atlântico era mais extenso que essa ambição. A forma de o atravessar era aos saltos, minimizando as distâncias entre cada ponto de abastecimento necessário. Para fazer a grande travessia era necessário reabastecimento e descanso a meio do temperamental Atlântico. Por sinal por aí estava, novamente, o incontornável arquipélago dos Açores, que poderia servir de ponto de refrescamento de homens e máquinas. E por este arquipélago ainda mexia uma Base Militar Americana instalada durante Primeira Grande Guerra.

Assim se lançaram pelos céus rumo à Europa 3 dos 4 Navy Curtiss (NC) fabricados. O maior troço dos vários a percorrer era a ligação da América aos Açores mas estes aviões apenas conseguiam cobrir a ligação mais curta: Terra-Nova – Açores.
A viagem teve os imprevistos do costume, com o nevoeiro no topo das dificuldades. E foi esse nevoeiro que obrigou à amaragem em mar aberto ao NC-1 e ao NC-3. O NC-4 encontrou uma aberta, visualizou o Faial e lá amarou em águas mais calmas e sem sofrer danos.
Esta aventura não foi um empreendimento privado, com as naturais limitações de recursos. Foi uma afirmação dum Estado que tinha ambições de ombrear com a aeronáutica Europeia. Assim a cobertura mediática que foi dada ao evento não tinha precedentes na aviação. A partida da esquadrilha da Terra-Nova, a passagem pelos Açores e Lisboa e a chegada ao Reino Unido povoaram as capas dos jornais da época. E nessa cobertura noticiosa os Açores estiveram sempre presentes.

Com esta aventura o valor da posição das ilhas Açorianas renovou-se. Já não era um local de passagem obrigatória para navios no Atlântico mas passara a sê-lo para os aviões. Assim, deter a capacidade de decidir, directa ou indirectamente, quem podia ou não fazer escala nos Açores, determinava quem dominaria o Atlântico Norte no futuro que se seguiria. E assim foi dali a duas décadas, no decorrer da Segunda Guerra Mundial. Não fosse a instalação da Base Aérea Anglo-Americana nas Lajes e a Batalha do Atlântico poderia ter tido outro desfecho. E se esta tivesse tido um resultado diferente, diferente também poderia ter sido o resultado da Guerra. No limite poderá afirmar-se que a ocupação dos Açores não foi condição suficiente para ditar o vencedor da Guerra mas foi condição necessária. E foram as concessões de escala nos Açores que em boa parte ditaram quem dominaria a aeronáutica civil nos anos que se seguiram.

M. Mota Borges
Ponta Delgada, 19/5/2019
Publicado no Jornal Correio dos Açores