Primeira Travessia Aérea do Atlântico
com escala nos Açores
First Flight over the Atlântic Ocean and Azores - May 1919
Centenário (Maio de 1919 – Maio de 2019)
Esta é uma semana de comemoração dum feito que teve eco mundial e que colocou, uma vez mais, o arquipélago Açoriano no centro do palco das grandes realizações do Mundo Ocidental. No já longínquo ano de 1919 chegaram aos Açores os primeiros aviões vindos da América do Norte por via aérea, naquela que foi a primeira travessia aérea do Atlântico. Um par de anos antes as Forças Armadas Americanas já haviam deslocado algumas pequenas aeronaves para Ponta Delgada, mas que haviam sido transportadas por via marítima.
Enquanto o vento foi a força motora dos navios, o que aconteceu durante séculos, os Açores foram o ponto de apoio necessário nas rotas marítimas pelo Atlântico. Para regressar da Índia, África e da América do Sul ou Central, os ventos e correntes obrigavam a passar pelos Açores. Nestas ilhas reagrupavam-se as frotas, reparavam-se os navios e reabastecia-se. Quem controlasse este entreposto oceânico controlava boa parte da exploração colonial ultramarina. Portugal dificilmente teria sido a potência que foi sem este arquipélago.
O advento da motorização a vapor tornou a navegação marítima, durante o séc. XIX, menos dependente das forças atmosféricas e aumentou a autonomia dos navios. Assim este arquipélago foi perdendo a exclusividade de ponto de passagem.
Na viragem do séc. XIX para o XX o mundo acelerou o passo, em muitos sentidos, e os Açores não ficaram de fora. O petróleo passou a ser explorado e refinado em grande escala e passou a alimentar novas máquinas. Estas, mais versáteis e leves que as a vapor, foram rapidamente aproveitadas por quem da força delas precisava. Foi nesse contexto que os Americanos Irmãos Wright motorizaram o seu planador e fizeram os primeiros voos na primeira década do séc. XX. E foi nesse contexto que o Francês Louis Bleriot construiu o planador motorizado que atravessou o Canal da Mancha em 1909.
Entretanto a Primeira Grande Guerra eclodiu e estas novas curiosidades (ou excentricidades) tecnológicas passaram a ser experimentadas para fins bélicos. Estes “passarões” podiam passar sobre fronteiras sem serem impedidos por qualquer controle, podiam espiar território inimigo e podiam até descarregar explosivos onde mais doesse ao adversário. Franceses, Germânicos, Britânicos e, um pouco mais tarde, Americanos rapidamente transformaram a curiosidade voadora em arma de guerra.
Foi nesse contexto que apareceram estes aviões que atravessaram o Atlântico pela primeira vez, os Navy Curtiss (NC).
O desenvolvimento destes aviões foi encomendado pela Marinha Americana à Custiss Engineering em 1917, ainda durante a Guerra. Era pretendido um avião patrulha anti-submarina, com capacidade de “longo curso”, que ajudasse a conter a ameaça Germânica. Tratava-se do maior e mais potente avião produzido até à data, com 4 motores Liberty V12 de 400 cv (1600 cv no total) e com capacidade de elevação de aproximadamente 12 toneladas. Apesar das diligências feitas o avião chegou tarde. O primeiro voo aconteceu em Outubro de 1918 e o Armistício (fim da guerra) foi assinado no mês seguinte. Assim ficaram estes quatro grandes e musculados passarões sem função ou propósito imediato. Contudo aquilo que não serve para a guerra pode servir para outra coisa. Removendo armamento e munições da aeronave podia-se aumentar grandemente a capacidade dos respectivos reservatórios de combustível e assim aumentar na mesma proporção a autonomia ou raio de acção da aeronave. Aumentando o raio de acção, o Atlântico Norte era a tentação. Mas o Atlântico era mais extenso que essa ambição. A forma de o atravessar era aos saltos, minimizando as distâncias entre cada ponto de abastecimento necessário. Para fazer a grande travessia era necessário reabastecimento e descanso a meio do temperamental Atlântico. Por sinal por aí estava, novamente, o incontornável arquipélago dos Açores, que poderia servir de ponto de refrescamento de homens e máquinas. E por este arquipélago ainda mexia uma Base Militar Americana instalada durante Primeira Grande Guerra.
Assim se lançaram pelos céus rumo à Europa 3 dos 4 Navy Curtiss (NC) fabricados. O maior troço dos vários a percorrer era a ligação da América aos Açores mas estes aviões apenas conseguiam cobrir a ligação mais curta: Terra-Nova – Açores.
A viagem teve os imprevistos do costume, com o nevoeiro no topo das dificuldades. E foi esse nevoeiro que obrigou à amaragem em mar aberto ao NC-1 e ao NC-3. O NC-4 encontrou uma aberta, visualizou o Faial e lá amarou em águas mais calmas e sem sofrer danos.
Esta aventura não foi um empreendimento privado, com as naturais limitações de recursos. Foi uma afirmação dum Estado que tinha ambições de ombrear com a aeronáutica Europeia. Assim a cobertura mediática que foi dada ao evento não tinha precedentes na aviação. A partida da esquadrilha da Terra-Nova, a passagem pelos Açores e Lisboa e a chegada ao Reino Unido povoaram as capas dos jornais da época. E nessa cobertura noticiosa os Açores estiveram sempre presentes.
Com esta aventura o valor da posição das ilhas Açorianas renovou-se. Já não era um local de passagem obrigatória para navios no Atlântico mas passara a sê-lo para os aviões. Assim, deter a capacidade de decidir, directa ou indirectamente, quem podia ou não fazer escala nos Açores, determinava quem dominaria o Atlântico Norte no futuro que se seguiria. E assim foi dali a duas décadas, no decorrer da Segunda Guerra Mundial. Não fosse a instalação da Base Aérea Anglo-Americana nas Lajes e a Batalha do Atlântico poderia ter tido outro desfecho. E se esta tivesse tido um resultado diferente, diferente também poderia ter sido o resultado da Guerra. No limite poderá afirmar-se que a ocupação dos Açores não foi condição suficiente para ditar o vencedor da Guerra mas foi condição necessária. E foram as concessões de escala nos Açores que em boa parte ditaram quem dominaria a aeronáutica civil nos anos que se seguiram.
M. Mota Borges
Ponta Delgada, 19/5/2019
Publicado no Jornal Correio dos Açores
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