segunda-feira, 16 de setembro de 2019

The democratic legitimacy, the abstention legitimacy and the others.
Legitimidades: 
a democrática, a da abstenção e outras.


Por estas latitudes, o Verão deste ano já passou, encaminhando-nos presentemente para as longitudes do Zodíaco dominadas pelo signo Virgem, num ano que os Chineses alegam ser o do Porco. 

Dizem que Virgem e Balança serão as forças dominantes destes dois meses. Assim, é natural que filas para a consulta da Bola de Cristal se estejam já a formar, para saber o que de importante acontecerá sob a influência de Libra (em Outubro).

Todos os dias acontecem coisas importantes mas algumas costumam merecer especial atenção na “precessão” dos acontecimentos que nos envolvem, ficando como marcos de referência na vida colectiva. Um (mais um) desses marcos será a nova eleição do Parlamento Nacional: as conhecidas Eleições Legislativas. 


Esse é período de  “jogo” social especialmente activo. O antecipar como se desenrolará preencherá bom espaço dos mídia mas é coisa que interessa mais a quem foi “convocado para a partida”, a quem, de uma forma ou de outra, está encarregue da organização e da logística do evento, às entidades que dirigem e produzem o “espectáculo” e aos outros do costume.


Pouco nos motiva, aqui, ir por esse caminho de previsão de resultados do novo evento onde, provavelmente, haverá chuva no molhado. Não nos interessa também determinar quando sairemos da “Era de Peixes”e entraremos na “Era de Aquário”. Mas interessa-nos um pouco conhecer o desvio que tem existido entre a agulha magnética da retórica daqueles que governam o rectângulo Luso e o rumo a que sua praxis tem levado o país.

Bem sabemos que o caminho ideal para atingir um determinado destino poucas vezes é rectilíneo; sabemos que os rumos se vão ajustando em função das condições que vão ocorrendo. No mar o caminho tem de compaginar com a ondulação, com os ventos, com a configuração do navio e até com a possibilidade de aparecimento de piratas. Mas toda essa variação e tácticas devem servir para atingir o objectivo planeado. Partir com destino a um determinado ponto e chegar a outro claramente afastado é processo que não faz parte da navegação na geografia … nem é suposto que aconteça na política. Poucos aceitam embarcar em navio que de forma frequente não chega ao destino anunciado.


Um dos indicadores do desvio de rumo nas coisas da governação democrática popular é o nível da abstenção eleitoral e o nível dos votos em branco e nulos. Os “Comandantes” (ou candidatos a) fazem por anunciar destinos magníficos mas, durante viagem de quatro anos, parecem preocupar-se pouco com o dirigir-se para o anunciado. E, nas viagens que se seguem umas às outras, indignam-se por vezes com a falta de fé dos possíveis “clientes” e até atribuem conotação moral negativa àqueles que “não compram acções da companhia ou bilhete para nova viagem”. Esta falta de “Fé”, numa democracia representativa, costuma manifestar-se primeiramente pela abstenção eleitoral e pelos voto brancos e nulos.




O fenómeno de afastamento dos eleitores tem aumentado de forma consistente e notória nos últimos anos em Portugal. Tem sido um quase contínuo. Estimar com bom grau de precisão as razões deste afastamento é algo que parece não exigir doutoramento em ciência politica. E estimar como e quando este fenómeno incomoda os concorrentes partidários também parece algo bem mais acessível do que a ciência aeroespacial.


Se projectarmos esta tendência até um futuro não muito longínquo será que não encontraremos um cenário onde votarão apenas aqueles que se submeterem ao processo eleitoral (votando em si próprios), aqueles a quem eles garantiram benefícios e aqueles a quem eles devem a sua nomeação partidária? Num cenário desses será que a Constituição permitirá, e o actual regime legal acomodará, um governo”maioritário” que apenas represente uma minúscula percentagem de Portugueses? Será que um governo que, por exemplo, represente 10% dos Portugueses, é um governo democraticamente legítimo?

A legitimidade é um conceito associado a consentimento. Votar não costuma significar orientar a politica mas consentir que um grupo a oriente. Não votar, ou votar em branco, tem usualmente outro significado que anda mais próximo da indiferença, da consciência da impotência para alterar rumo, ou do protesto.


É natural que em cada regime político ou de convivência humana algum encanto dos propósitos originais se perca com o tempo. Essa perca é tanto mais rápida e acentuada quanto maior for a distância entre a “representação teatral”, que é feita na apresentação das “Verdades Absolutas” originais, e a realidade “imutável” subjacente – a da natureza humana. A democracia popular e representativa faz uso de boa dose de teatralidade. Essas “representações” e propósitos são úteis para a convivência pacífica mas, como quase tudo na natureza, tem também um ciclo de vida. As necessidades biológicas humanas vão-se mantendo mas as perspectivas sobre o sentido da existência podem ter de se ajustar a cada Era. 
Cada geração tem os seus “actos de fé” (de pendor teológico, metafísico, moral, económico, tecnológico ou outro, consoante a Era) e a “Teologia Politica” vigente conserva-se não se lhes opondo de forma perceptível. Segundo teórico famoso da área dos assuntos políticos e
jurídicos “Todos os significativos conceitos da moderna teoria do Estado são conceitos teológicos secularizados”

Talvez por essa razão o ir apenas ajustando a “Liturgia” dos processos de legitimação do poder pode não ser suficiente para manter o “credo”. Se os “apóstolos” se agarrarem a privilégios da função ou da posição e atrasarem os ciclos da renovação natural, especialmente da renovação de esperança realista, pode o “culto” esfumar-se e as “celebrações” de legitimação ou “glorificação” ficarem despovoadas.


Mas será que o Poder necessita de legitimidade? Legitimidades existiram muitas. Regimes monárquicos e republicanos, constitucionalistas, comunistas, fascistas e democratas não se coibiram de construir discurso que incutisse a ideia de legitimidade da sua posição e da sua acção. Uns basearam o seu direito a dirigir e governar em mandato divinamente concedido, outros em mandato popular e outros em outras construções teóricas susceptíveis de aceitação do povo. E será a legitimidade importante na governação? Parece-nos que sim na medida em que governo consentido pode ser mais suave, mais estável e mais eficaz que ditadura ou governo tiranicamente imposto e tiranicamente mantido.

Então onde estará o problema de uma democracia representativa onde a maioria dos potenciais eleitores desistem de se fazer representar? O problema poderá não existir (para os partidos políticos da governação) se os eleitores não aderirem a oposição activa ao “Establishment”. E usualmente não aderem enquanto tiverem percepção de suficiência de condições de vida. Se essa percepção de suficiência se altera, a predisposição para a mudança segue o mesmo caminho. É em cenário desses que os partidos políticos “do arco” manifestam alarme, tocando os sinos de alerta para o perigo do populismo, xenofobismo, extremismo e de outros “ismos” - sempre que aparece alguém a disputar-lhes o domínio "legitimo". O “Establishment” e seus partidos aceitam e patrocinam aquilo que está estabelecido e lhes serve; nunca o contrário. É a lei a auto-preservação para os que estão bem. O contrário resulta da necessidade de mudança efectiva para os que não estão. Quanto ao sentido de potencial mudança naturalmente uns não estarão de acordo com os outros. Por isso é frequente ouvir-se dizer que democracia (legítima) e escassez de meios não convivem bem.


Quando a proporção das elites dominantes relativamente à do povo cai e a percepção de desigualdade aumenta para níveis “oceânicos”, a imagem de regime próximo a oligarquia emerge e a de legitimidade democrática tende a esfumar-se. Mas mesmo assim o “Establishment” tenderá a manter-se. Para isso poderá recorrer a mecanismos de legitimação (aceitação pública) que podem até passar pelo voto "premiado", pelo voto obrigatório/compulsório ou até pelo voto electrónico controlado ou não por Inteligência Artificial como nos caminhos da Internet. Esses mecanismos podem disfarçar o objectivo remoto mas tem também o seu prazo de validade.


Para aqueles que não se revêem nem beneficiam de determinadas formas de governação da coisa pública, será que a sua participação em eleições configura ofensa contra a consciência que tem da sua real situação ou posição? Será que eventual escolha entre dois males, um maior que o outro, configura um posicionamento moral relativamente à governação ou poderá configurar uma opção táctica de circunstância? Sabe-se que raramente um poder, qualquer que ele seja, põe à consideração dos seus subordinados a manutenção do “status quo”. Mas pode por à consideração deles a escolha de quem o administra. Um governo democrático como o Português tem um estatuto não muito afastado de administrador, uma vez que boa parte dos instrumentos com que o poder se exerce (moeda, finança, concessões e monopólios de cariz económico ou vital estratégico) resvalaram para a esfera privada ou transnacional. Num cenário destes um partido político pode prometer o que quiser mas pode estar impedido (ou desmotivado) para fazer o que prometeu. Para que cumpra é necessária tensão e sem tensão não há democracia.
Assim sendo, qual a melhor opção para um comum popular num processo eleitoral como o que se avizinha? A participação? A abstenção? Ou o voto branco ou nulo (voto de protesto)? O Mundo dos nossos dias, superpovoado, está dependente de complexas teias e tecnologias e essas estão hiper integradas em geografias e poderes transnacionais. Uma mudança de politica importante num particular ponto dessa geografia pode ter consequências imensas na humanidade. Por essa razão uma mudança de poder localizada será naturalmente alvo de “anticorpos” e terá poucas hipóteses de sobrevivência prolongada. E se sobreviver, pode induzir roturas no funcionamento global das “máquinas” que sustentam a vida, com efeitos catastróficos para aqueles que estiverem no fim da linha. Mudar é possível mas não mais segundo a lógica dos Estados autónomos e auto-suficientes. Por essa razão as dinâmicas de poder (e as alternativas) que existiram em boa parte dos séc. XIX e XX talvez já não sirvam de modelo para o que acontece nos nossos dias. Mudar é possível desde que com consciência daquilo que é possível.


Assim, segundo opinião de muitos, aqueles votantes que entendam ser necessário mudar de cenário ou actores políticos, é necessária esperança realista e tensão. Mas essa esperança não é apenas um condimento moral ou rebuçado doce para ser chupado numa campanha eleitoral. A esperança tem de gerar acção e esta tem de gerar tensão. Sem tensão não há democracia. O deficit dessa “pressão” (ou a sua expressão controlada) é terreno propício à apatia de uns e disfarçada oligarquia dirigida por outros. Uma das formas de gerar e manter essa “democrática” tensão é participando nas eleições, votando, usando tácticas que garantam a sua existência ou permanência.


A legitimidade é sempre mais facilmente adquirida por um líder com um ethos protector e moralmente reconhecido. Para a maioria dos Portugueses, Açorianos e Micaelenses, António Costa, Vasco Cordeiro e José M. Bolieiro tem dotes que facilmente levam à confiança, quer pela figura, quer pela fluência e estética de sua retórica, quer pela sua inteligência, ar paternalista, experiência, passado de governação ou pela sua origem. Uma vez eleitos, esses dotes são usualmente postos ao serviço do equilíbrio das forças que confluem na governação, umas mais fortes ou legítimas do que outras. Para bem da maioria dos eleitores, para que a sua "força" tenha consequências e a governação democrática funcione é necessária tensão e a sua intensidade, pelo menos em parte, pode decorrer de resultado da sua participação nos actos eleitorais mais relevantes que se vão seguindo. Avaliar como essa tensão melhor se deve aplicar decorre do juizo de cada um. Esperar que a providencia envie solução para os “dramas” quotidianos é pouco; muito pouco.

Publicado no Correio dos Açores de 14/9/2019
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Voter turnout in the Azores for the election of National Parliament – 2019

Realizado o acto eleitoral de 6 de Outubro de 2019, o gráfico actualizado da participação eleitoral fica como a seguir se apresenta:

Se os votos em branco e nulos cativassem lugares no Parlamento, 5 ou 6 lugares teriam ficado vazios. E se  essa regra fosse adoptada, não seria dificil de antever uma redução substâncial da abstenção e a eleição de grande parte do Parlamento com lugares vazios (resultantes dos votos brancos e nulos).

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Nos Açores o distanciamento entre eleitores e eleitos foi bem maior do que o do continente, conforme mostra o quadro abaixo:

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